Últimmas Folhas

4 de novembro de 2013

Epifania



De que serve um sentimento se você não pode expressá-lo? De que serve um sentimento se você não pode escrevê-lo?

Inspiração desperdiçada, bom conselho ignorado – sim, eu sei, também desperdicei alguns. Admito. Mas por puro desleixo. Agora não me importo mais. Meia-noite, três horas da manhã, durante o banho, prato de macarrão: escrevo, escrevo, escrevo. Na mão, no caderno, guardanapo, roupa. Sim, roupa. Mas escrevo o que vier. Não sou eu quem cria, são as palavras que me abordam e pedem para serem escritas. Às vezes são ingratas. Às vezes vêm incompletas, e me desafiam: termina-me! E eu termino. Ou as guardo numa gaveta até uma próxima vez.
E eis que a claque aplaude.

Alguém disse algo – e nem percebeu o quão bonito soou. Escrevo. Por e para aquela pessoa, que nem vai saber o quanto lhe sou grata. “O caminho das coisas”, “aquilo que vem do além”, “a presença de ninguém”, ou a ausência da mesma. Há aquelas curiosas, sobre frutas sempre serem arredondadas. Ignoro o resto, às vezes, é verdade, mas é para o bem de minha sanidade. Mal sabem eles o quanto as pessoas podem ser chatas...
E eis que a claque vaia.

Atravessar centenas de milhares de versos sem uma palavra, lágrima ou sorriso. Isso é triste. Mas não é o fim do mundo. Podemos viver com isso. Vivemos com isso, e ninguém parece realmente se importar.
E eis que a claque se cala.

Ninguém acreditou em mim quando eu disse isso, e em silêncio, eles deixaram o auditório.

Quando as luzes se apagaram, ele levantou-se e caminhou para o fundo do palco, equilibrando uma pilha de livros numa mão e um laptop na outra. Ninguém ofereceu ajuda, e ele também não pediu.
Em silêncio, também, deixou o prédio.
Em silêncio, caminhou na penumbra fria até seu carro no estacionamento vazio.
Em silêncio, um homem armado, atrás de uma árvore, esperava por ele.
Em silêncio, ele partiu.
E tudo o que deixou no lugar de sua existência foi silêncio.