Últimmas Folhas

28 de outubro de 2013

durante dois minutos de silêncio


vou lhes contar agora o que pode acontecer durante dois minutos de silêncio.
apenas com essa frase inicial, vocês podem ter imaginado a quantidade infinita de coisas que podem acontecer em dois minutos de silêncio. afinal, apesar do silêncio, o mundo não para, não acompanha nosso luto, nosso momento de estaticidade diante da morte, nossa tentativa de paralisar tudo e pensar apenas no que passou. essa tentativa de paralisar o mundo...
durante dois minutos de silêncio, enquanto o mundo inteiro (ou a maioria maciça dele, como nunca havia se visto antes) está de cabeça baixa, pagando suas últimas homenagens a tantas vidas perdidas num único momento fugaz, tantas vidas espalhadas por todo o mundo... enquanto o mundo inteiro está em silêncio, durante esses dois minutos, muita coisa pode acontecer.
pode acontecer do seu celular tocar, mas, na verdade, isso é bastante improvável (mas não impossível), que todas as pessoas que ligariam para você estão em silêncio também (nem mesmo o tuíter estaria sendo usado). pode acontecer das cabras (ou as vacas, ou as ovelhas, ou lhamas), de alguma forma, arrebentarem a cerca, mas você não ligaria para isso naquele momento. pode acontecer do seu filho menor começar a chorar, mas você não quebraria seu silêncioapenas o abraçaria carinhosamente. pode acontecer do seu microondas apitar, de dois cachorros começarem a brigar, de um copo de vidro cair, da luz queimar, de começar a chover, de passar um avião no céu, de uma mulher estar parindo, de você perder o ponto do bolo, da fogueira apagar, de você engasgar com água. pode acontecer até de alguém ter um infarto num hospital, ou mesmo de ser assassinado num beco qualquer, ou num campo de trabalho qualquer.
pode acontecer de não acontecer nada, e seus dois minutos de silêncio serem precisamente o que devem sersilenciosos.
imagino o que estava acontecendo ao redor de todo o mundo, de todas essas pequenas coisas que podiam (estavam) acontecendo durante aqueles nossos dois minutos de silêncio universal...
as pessoas, em sua maioria, estavam reunidas em praças, parques, em frente a monumentos históricos de seus países, ou a grandes árvores centenárias. os que moravam no campo tinham parado de trabalhar, e nos lugares que ainda era noite, as pessoas levantaram de suas camas e carregaram velas para as ruas. nas igrejas, mesquitas, templos, sinagogas, todos em silêncio.
e eu, como todos os outros, de  cabeça baixa na varanda de casa, de olhos fechados, fingindo que rezava, e na verdade imaginando tudo o que poderia estar acontecendo simultaneamente ao redor do mundo nesses dois minutos de silêncio.
mas o que eu nunca pensei, o que ninguém nunca imagina que pode acontecer, o que jamais passa pela cabeça de ninguém que pode acontecer, é uma bomba H, despercebida, aterrissar na sua cidade, e fazer dos seus dois minutos de silêncio, sua eternidade.
e foi precisamente o que aconteceu durante aqueles dois minutos de silêncio. no mundo inteiro. ou pelo menos, a maioria maciça dele, como nunca havia se visto antes, em qualquer lugar que houvesse uma grande cidade, ou uma média cidade, uma cidadela qualquer...
sorte daqueles poucos que, como eu, não moravam nas cidades.
o problema agora é que somos poucos.
e não temos ideia do que foi aquilo... ou se vai acontecer de novo.