Não basta
apenas gostar de ler, deve-se gostar de LIVROS – os objetos físicos, em suas
lindas cores, formas, tamanhos e cheiros. Até mesmo aquele irritante corte de
papel torna-se prazeroso – “se cortou como?”, “num livro”, respondemos, com
orgulho. E, sendo assim, não basta apenas gostar de livros... Consequentemente,
gosta-se de bibliotecas. Então devemos criar (nossas bibliotecas, digo). Qual
bibliófilo não sonha com um gigantesco templo repleto de livros, de todos os períodos
e lugares do mundo, de capas velhas e novas, cheio de primeiras edições,
edições raras, edições que não existem, de livros que ele ainda não leu, mas
vai ler (vai, sim!)? Quem nunca sonhou em ter uma biblioteca fantástica assim?
E com as
bibliotecas, bem, vêm as livrarias. Bibliotecas não seriam possíveis sem
livrarias, que vendem os benditos livros. E então, amamos as livrarias também,
por suas estantes, sua organização por temas, seus livros novos... E amamos os
sebos também.
Ah, os sebos!
Pouca coisa na
vida é mais orgásmica que um bom sebo, com um dono gentil e prestativo, que nos
ajuda a encontrar aquele livro fora do mercado atual, aquela edição, aquele
autor... Um sebo com cadeiras e poltronas, onde você se esquece do mundo –
passa a hora do almoço, chuva cai, carros colidem... Mas nem notamos,
esquecidos dentro de um livro, uma estante, uma busca incessante.
As imagens são
várias: as curvas de livros e livrarias e sebos e bibliotecas todas se tornam
atraentes e tentadoras. Quando vemos alguém lendo no ônibus ou no metrô,
esticamos o pescoço pra tentar fisgar o título ou o autor, julgar se é um bom
livro ou não, se conhecemos aquela história, e, quando conhecemos e gostamos,
talvez até fazer um audacioso comentário gentil para esse estranho surpreendente,
que compartilha de nosso gosto particular.
Quando, por um
motivo ou outro, nosso gosto é mais solitário, e nos encontramos em lugares nos
quais ninguém que conhecemos compartilha de nossos deliciosos vícios de papel,
basta ter os benditos papéis para sentir-se melhor. O amor por livros e
bibliotecas é o tipo de paixão que gosta de ser dividida, é claro, mas que
quando isolada, faz o mesmo bem. Quem tem muitos livros desenvolve um prazer
particular em mostrá-los, com orgulho, para os amigos, mas esta não é uma
condição sine qua non para nos
sentirmos orgulhosos ao encararmos nossas estantes.
O bom
apaixonado também nunca para de mexer nelas, de arrumá-las e rearrumá-las
infinitas vezes, porque a quantidade de livros que chega sempre demanda uma reorganização,
e porque, ora bolas, mexer nos livros nos faz bem! Mesmo aquela poeira que sobe
nos faz bem, e aqueles mais precavidos ou alérgicos já sabem: a boa e velha
máscara descartável na farmácia faz milagres. Se o apaixonado em questão for
ainda mais meticuloso, vai sacar um par de luvas de látex do bolso e começar a
remexer nos seus livros, dando sempre uma espanada neles, quando da ocasião da
adorada rearrumação.
Que dá
trabalho, dá.
E muito.
Às vezes, temos
vontade de desistir, especialmente quando, por ventura, herdamos vários livros,
ou compramos muitos e nos esquecemos de anotar quais... O viciado que gosta de
manter alguma ordem, talvez uma simples lista dos livros que possui, tem um
trabalho enorme pela frente, se o caso supracitado for o seu. Título, autor,
editora, ano, encadernação, ISBN, ilustrador... Tantos são os detalhes
intrínsecos nesse objetos! E naqueles cujas informações são escassas, o
assombro e a curiosidade é ainda maior. “Desse, eu não sei nada!” diz o leigo,
“deve ser uma edição rara!”.
Mas pouco
importa as raridades, isso é para os fracos.
O que nós
queremos são livros... Montanhas de livros, rios, everestes! Que coroem nossas
camas e salas, que suas pilhas sejam maiores que a televisão de última geração,
e que a primeira coisa que as pessoas digam quando entrem em nossas casas seja:
“nossa, quanto livro!”. Nossos amigos e colegas nos conhecem como “aquela
pessoa que está sempre com um livro debaixo do braço”, e que mesmo aqueles mais
distantes, sabendo que você tem muitos livros, volta e meia te aborde e
pergunte: “alguma sugestão?”.
Sim, temos muitas sugestões!
E também
gostaríamos de ouvir outras!
Acontece, como
acontece com a maioria de nós, que cedo ou tarde acabamos enfrentando um
problema de ordem física e possivelmente irreparável: o espaço é inversamente
proporcional à quantidade de livros que adquirimos. É seguro dizer que boa
parte desses viciados não têm condições de comprar espaços/casas/galpões de
acordo com o tamanho crescente de sua biblioteca, então é necessário fazer
sacrifícios.
É claro, esses
sacrifícios não incluem “parar de
comprar livros”, porque isso está fora de questão e invalida toda a tese de
viciados em bibliotecas.
Quando falo em
sacrifícios, refiro-me à estética. Rapidamente aprendemos que aqueles animaizinhos
de cerâmica que enfeitam aquela prateleira da sala são realmente vulgares, e
como aquele lugar ficaria mais bonito se substituíssemos todos aqueles
apetrechos de ordem decorativa por livros. Afinal, não há nada mais estético do
que um bom livro, certo? E nós sabemos que sempre há espaço para livros num
cantinho especial da cozinha.
“A good library will never be too neat, or too
dusty, because somebody will always be in it, taking books off the shelves and
staying up late reading them.”
Lemony Snicket