O MEDO
Quando eu era criança, tinha medo de tudo. Qualquer coisa me aterrorizava. Tinha medo de ladrão, de bala, de briga, de escuro, de fantasma. Tinha medo de me perder. Tinha medo até de dizer a coisa errada na hora errada. Tinha medo de apanhar, também. Tinha medo de nunca mais ver minha mãe quando a gente se separava, pelo motivo que fosse. Tinha medo até do batuque do maracatu do lado da minha casa. Tinha muito medo. Meu coração acelerava no ritmo da música, e eu ficava apavorado. Tinha tanto medo, mais tanto medo, que fiquei com mais medo ainda de sempre ter medo. Porque se eu sempre tivesse medo, então eu não ia poder fazer nada, eu pensava. Porque eu realmente não fazia nada, e eu sabia disso. Mas todos os meus medos pareciam – ou melhor, eram – reais. Eu tenho o direito de ter medo, eu pensava. Mas às vezes ficava frustrado por nunca conseguir fazer nada.
Um dia o medo foi-se embora. Assim, como se fosse uma vela e eu a tivesse apagado.
Foi numa noite que juntou todos os meus medos num único pesadelo de alguns minutos – tinha o batuque do maracatu, o escuro, uma briga, dois ladrões, quatro balas e um fantasma.
Foi nessa noite também que eu disse a coisa errada, apanhei, me perdi e nunca mais vi a minha mãe.
Era janeiro. O carnaval estava chegando. Do lado da minha casa eles ensaiavam todos os dias, incansavelmente. Meu coração batia acelerado no ritmo dos tambores, como se fosse parte do ensaio. Era noite e estava muito escuro, só a TV estava ligada. A gente não podia gastar muita luz, então quase não acendia as lâmpadas.
A janela tava aberta. Era outra coisa que eu tinha medo – da janela aberta. Qualquer coisa podia entrar por aquela janela: bicho, fantasma, gente. Minha mãe dizia que eu não precisava ter medo – bicho a gente espantava, fantasma a gente dava reza e gente não ia querer roubar uma casa tão pobre. Eu quase acreditei nela.
Mas naquela noite, alguma coisa entrou pela janela. Era gente, de carne e osso, mas antes não fosse. Dois homens, muito altos na minha visão de menino, um deles com uma pistola na mão. Nem deu pra pensar direito.
Eu gritei, e um deles me deu uma bofetada. Minha mãe me ouviu – antes não tivesse ouvido! – e correu pro meu quarto. Levei outra tapa e caí no chão. Minha mãe chegou na porta.
Quatro tiros.
Minha mãe deitada no chão. O fantasma dela invisível pra mim.
Corri pra fora de casa. Nunca mais voltei, me perdi na rua.
E também perdi meu medo.
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