Tia Carochinha está uma fera hoje.
Há duas semanas foi seu aniversário de... bem, não sei
quantos anos, mas sei que foi seu aniversário. E eu, como toda boa sobrinha
(sobrinha-neta? Sobrinha-bisneta?), lhe comprei um presente. Ela é uma senhora
velha e antiquada, apesar de seus surtos revolucionários, e eu, na minha
inocente tentativa de agradá-la, lhe comprei um antigo relógio de pêndulo que
encontrei numa relojoaria no centro da cidade. Foi um presente até bastante
caro, diga-se de passagem. Jacarandá nunca é barato, mesmo. Tive que tirar
dinheiro do meu porquinho (que por sinal, foi um presente dela – demorei três
meses pra descobrir como é que se colocavam moedas lá dentro, e pelo menos
quatro tentando achar um jeito de tirá-las).
Eu nunca vi um relógio na casa de tia Carochinha, de
forma que achei que ela ficaria feliz em ganhar um tão bonito quanto aquele que
lhe comprei.
Ledo engano.
Diz ela que o relógio de parede não pára de tocar e
resmungar, e que seus gatos só vivem a reclamar do velho pêndulo, que fica pra
lá e pra cá. Sete gatos já ficaram hipnotizados, e os outros três que sobraram
– Faísca, Holho-Tonto, e Kekulé – estão indignados, pois também temem o relógio
que só sabe tiquetaquear as horas que passam.
Eu já tentei explicar à tia Carochinha que essa é, na
verdade, a real função do relógio, contar as horas passando. Mas ela parece não
poder conceber essa ideia, pois sempre me ameaça com a colher de pau, dizendo
que terei que passar cem anos cozinhando pra ela se eu repetir "outra
dessas infâmias". E eu já estou condicionada a me encolher toda vez que
ela levanta aquela maldita colher de pau.
Eu sabia que ela nunca havia tido um relógio em casa... Só não sabia
que ela desconhecia completamente sua
função. Tia Carochinha nunca para de me surpreender.